Pra se guardar na memória

Por:
18/11/2016 - 12:19

ENVIADO PELO LEITOR PAULO HENRIQUE VILELA

O dia começou nublado, carrancudo e contrastava com a alegria daquele menino de 5 anos que acordou em êxtase porque iria ver o decisivo Galo x Flamengo no Mineirão. Como de costume para o pai calejado com o Galo, em dia de jogo decisivo, a noite é mal dormida, os nervos afloram e os movimentos peristálticos do intestino acelaram.

- Pai, que horas nós vamos pro Mineirão?

- Calma Gabriel, são 07:00 da manhã, temos que tomar café, arrumar as malas, despedir do vovô e da vovó e aí sim vamos pra BH.

- Mas a gente vai atrasar, pai!

E assim foi, o café da manhã parecia não terminar, na cabeça dele durou umas 4 horas,  o ritual de colocar as malas no carro mais umas 3 horas, a viagem de São João Del Rei para Belo Horizonte não duraria menos de 5 horas, logo, chegaremos atrasados para o jogo.

Confesso que na minha cabeça passava um filme, como explicar pra aquele menino, que saia de casa com tanto entusiasmo para alentar seu time, um revés? Sim, sou atleticano há 36 anos, vi e vivi muitas situações que foram moldando um torcedor que acredita na glória mas sempre preparado pra catástrofe. Meu coração atleticano já está acostumado, enrijecido e cicatrizado mas o dele ainda é jovem e forjado em uma fase auspiciosa do clube, o que é novidade até para mim. Em jogos decisivos, como o de sábado, as desilusões poderão acontecer e serão tão doloridas quanto marcantes. Achei melhor não pensar na tragédia e mentalizar vibrações positivas, afinal temos que vencer.

Saímos de São João Del Rei às 09:45h e fizemos uma viagem tranquila marcada por uma resenha monotemática em que os assuntos iam, vinham e se encontravam com e sobre o Galo. Nossa posição na tabela, porque o jogo seria no Mineirão e não no Horto?, porque Fred e Lucas Pratto não podem jogar juntos?, o zagueiro Gabriel vai ser titular?, o que aconteceu com Leo Silva? Pausa nas perguntas, alguns segundos de silêncio e escuta-se no interior do veículo Clube Atlético Mineiro, Galo forte, vingador... Vencer, vencer, vencer... Pra mãe do Gabriel que não curte futebol -  que Deus a perdoe – foi uma viagem longa...

Chegamos em Belo Horizonte às 11:30h, fomos direto pra casa do meu pai que nos recebeu já vestido e preparado  para o jogo. Gabriel abraçou seu outro avô e começou mais uma bateria de perguntas sobre o Galo. Saímos para almoçar e rumamos pro gigante da Pampulha.

A chegada no estádio foi demorada devido ao grande fluxo de veículos na região o que aumentava a ansiedade. Depois de um grande tempo preso no trânsito conseguimos entrar no estacionamento do estádio. Carro estacionado rumamos à esplanada do estádio. Vale destacar aqui o crime cometido ao entrono do Mineirão após a reforma. Antes era um local arborizado, hoje um deserto de concreto, lamentável!

Eis que chega a hora da entrada no estádio, os olhos do menino brilham, como não pude ver os meus, tenho a impressão que brilham na mesma intensidade. Começamos a subir a escadaria que dá acesso às arquibancadas, volto no tempo uns 30 anos e tal qual aquele menino que hoje segura minha mão, me vejo segurando a mão do meu pai e é difícil segurar a emoção. Imagino que na cabeça do meu pai um filme com roteiro parecido também foi exibido. Como diz a música entoada pela Massa: - Entidade, venerada por milhões. Contagiando multidões de gerações em gerações...

Ainda faltam 75 minutos para o início da partida, passamos o tempo conversando, assistindo a gols antigos no telão e “contando” o número de torcedores que entram no estádio. Vaiamos a torcida adversária quando ela se assanhava, cantamos nosso hino e nossas músicas e a ansiedade só aumentava. O Galo Doido subiu ao gramado e levantou a torcida, nesse momento um largo sorriso é estampado no rosto do garoto que se torna ainda maior quando o goleiro Victor entra no gramado para seu aquecimento. No inconsciente do menino o super herói visto na TV é real e está próximo ao seu campo de visão.

A entrada das equipes no gramado, o espetáculo da torcida, papéis picados o hino entoado a plenos pulmões. Um evento único e eu só consigo prestar atenção no meu filho e ver seu encantamento com toda aquela atmosfera. Chego a ser repreendido por ele que me questiona sobre o porquê não canto o hino? Passada essa pequena vergonha começo a cantar mas sem perder um segundo das reações dele.

Chegou a  hora da peleja, seja o que Deus quiser, jogo tenso, Galo começa bem e a torcida vai junto. 5 minutos, 10 minutos, uma chance aqui outra lá, 15 minutos e nada do nosso gol sair. Pra piorar o time deles fica mais com a bola, ataca mais e é mais perigoso. A torcida tenta reverter o quadro no grito, em vão, aos 30 e poucos gol do Flamengo. Antes de ficar chateado, minha primeira reação é observar meu filho, o abatimento foi instantâneo e a pergunta fulminante: - Nós vamos perder, pai? - Não, vamos virar filho, falei com uma convicção que estava longe de sentir.

O fim do primeiro tempo foi agônico, o time do galo atordoado com o golpe e o adversário empilhando chances de gol. Torcíamos para o fim do primeiro tempo, o casanço e o gol do adversário desanimaram, momentaneamente, o empolgado torcedor mirim.

Veio o intervalo, calor infernal, o time perdendo e jogando mal e minha única preocupação era tentar animar meu filho pro segundo tempo.15 minutos de descanso e com Luan no lugar de Cazares, essa era a receita pra virada.

Começou a segunda etapa e o time esboça uma melhora, ameaça uma pressão e no grito da torcida vejo que o interesse e o entusiasmo começam a ressurgir no Gabriel. Ele canta o hino, rói as unhas, grita e me pergunta se o Galo vai empatar? Estou tão nervoso quanto ele vendo um time tão aguerrido quanto desorganizado empurrar o adversário pro campo de defesa. A bola cruza a área rubro negra de um lado pro outro e ninguém a empurra pras redes. Quando Fred vence Muralha a bandeira da assistente assinala, acertadamente, impedimento. A explosão de alegria não durou 30 segundos.

O tempo vai passando, os jogadores lutando de forma desordenada, a torcida apoiando ao mesmo tempo que a paciência vai se esgotando. Neste momento Gabriel assiste ao jogo em pé com os pés apoiado no encosto da cadeira da fila da frente. Estou abraçando-o para que ele tenha maior segurança e conforto pra assistir ao jogo. Em vão tento acalmá-lo pois neste instante sou uma pilha de nervos com o jogo e com a iminência do revés. Lateral pro Galo, Otero joga na área, Réver aplica um Waza-ri em Fred... Penalti pro Galo, explode um sorriso no rosto do meu filho. Receoso que sou me preparava pra desculpas em caso de perda do penal. As desculpas não serão necessárias, Robinho com extrema categoria cobra e coloca a igualdade no placar.

Gabriel não cabe em si, grita como um louco, abraça meu pai e meu irmão e antes da saída de bola dá tempo de me abraçar e perguntar quanto tempo falta? Respondo que mais uns 10 minutos, recebo outro sorriso dele – O Galo vai ganhar! O Mineirão está eletrificado, cantamos de forma automática e cada minuto parece ter 5 segundos. O jogo vai chegando nos últimos minutos quando uma bola enfiada por Robinho encontra Lucas Pratto que dribla Muralha e empurra a bola mansamente pro fundo do gol. É a virada do Galo, é a explosão de um estádio, é o gol mais comemorado por mim em toda minha história de estádio... Se não foi o melhor abraço que recebi do Gabriel até hoje, com certeza está entre eles. O rosto dele demosntrava uma felicidade e espanto com a comemoração ao redor, sem saber ao certo como proceder ele flete o cotovelo, fecha o pulso e grita Galo com toda sua raça pra vencer. Em seguida, levanta os 2 indicadores em diração ao céu agradecendo o gol. Confesso que os olhos ficaram marejados com todo o script que acabara de ser desenrolado naqueles instantes.

Como é de conhecimento geral, o Flamengo empataria na sequência jogando uma ducha de água fria em nós atleticanos. Fim de jogo e o empate estava estampado no placar. Enquanto descíamos, em silênciso, as escadas rumo ao estacionamento, observava as feições e o semblante do Gabriel e pensava comigo mesmo: o que será que passa na cabeça dele? Será que está chateado? Será que vai querer voltar pra estádio depois de hoje?

Eis que ele quebra o silêncio e no alto de sua experiência de 5 anos me diz: Pai, pelo menos não perdemos néh? Eu respondi laconicamente que sim. Então, com um ar de cobrança ele parou em frente ao pipoqueiro e reinvindicou uma pipoca prometida ainda durante a ida pro estádio.

Já no carro, comendo sua pipoca sem maiores preocupações fomos conversando e as perguntas que estavam na minha cabeça pouco a pouco foram sendo repsondidas. Sim, ele estava chateado com o resultado e na cabeça dele ocorria uma contradição em aceitar que o Victor, seu super-herói preferido, não conseguiu deter o chute fatal de Guerrero. E sim, eu quero voltar no estádio com você Pai, sempre!