Calçadas e becos – Sobrenome Atleticano

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07/03/2010 - 11:45

cena+tiste - Calçadas e becos - Sobrenome Atleticano

A cada 30 segundos uma luz batia em meu rosto, vinda de todas as direções e por pouco tempo, sem me incomodar. Aprendi a ignorar esse flash que antes eu acreditava ser a famosa luz por anteceder dias de esperança.
Não sabia quem eram meus pais, onde nasci e porque havia parado ali naquela calçada, também não procurava essas respostas. Mas para lhes contar sobre esses dias, podem me chamar como meus “vizinhos” me chamavam: Atleticano.
Esse apelido não era por ter um guarda-roupas com uma coleção de camisas, também não via notícias diárias na TV, tampouco ia ao estádio em dias de jogos. Não me lembro bem quando passei a atender aos que me chamavam assim, mas como não gostava do nome Arcanjo, passei a dizer que era Atleticano, registrado em cartório; me sentia mais Atleticano do que Arcanjo, pelas cenas que vivia, nada angelicais.

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O Atlético entrou cedo na minha vida, quando ganhei uma camisa do time de 82, doada por uma senhora que havia perdido o filho. Nem todos os outros agasalhos da caixa me esquentavam tanto quanto ela, passando a ser a única roupa do dia a dia!
Meu segundo contato com o Galo foi quando achei uma bandeira no lixo do beco onde dormia. Em meu coração não havia mágoa nem das pessoas que me abandonaram, mas naquele instante senti uma mistura de sentimentos, com a raiva de terem feito aquilo com a bandeira e do agradecimento em ter ganhado algo para me tampar com as cores do Galo.

Então passei a juntar jornais, revistas, fotos e tudo mais que encontrava sobre o time, pregando nas paredes do beco e ganhando um travesseiro de imagens.
Julio, um senhor que dormia próximo, toda noite pedia para ver os recortes, que se tornavam minhas histórias antes de dormir. Quando o Julio se foi, eu decidi aprender então a ler para continuar vivendo o Galo nas noites.
Nos dias de jogos, o semáforo deixava de ser uma fonte de renda, pois eu pulava nas janelas a perguntar: “Quanto tá? Quanto tá?”
Por muitas vezes dormi imaginando o Marques como meu pai, onde cada gol ou lance dele era meu presente de aniversário e natal.

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A vida foi seguindo assim, eu na rua vivendo dias de luta e sempre procurando tudo do Galo pro meu beco, mesmo chegando à adolescência. Coincidentemente comecei a ir ao Mineirão em 2005, o pior ano da história,
e em alguns jogos a dor de ver um rebaixamento inevitável, era semelhante à dor da fome, pois nem nos becos eu via olhares tão tristes como aqueles milhares no estádio.
Me senti o homem mais miserável do mundo quando o juiz decretou fim do jogo e veio o rebaixamento. Não bastasse tudo que vivi, não bastasse eu superar tudo até esse dia, nunca ter reclamado de nada, e agora sentir a sensação de perder o que SEMPRE esteve comigo.... doía na alma.
Então escutei uma palma... duas... três... uma multidão aplaudindo e começando a cantar o hino. Meu Deus! Me julgava forte e pronto para qualquer cena em minha vida e agora não conseguia abrir a boca. Não chorei nem nos dias de chuva em que perdia tudo, e agora choro pelo Galo? Por quê?
Aquele hino me encheu de uma energia que já não tinha esperanças de encontrar, mas as letras transobrdavam fé, então ali começou outra vida para Emanuel Arcanjo Atleticano.
O ano de 2006 foi marcado pela minha reconstrução e a do Galo, pois desde então, nos dias difíceis da minha vida eu escuto as palmas, o hino, sinto a energia novamente, e mostro que nada me derruba. Consegui sair da rua, e hoje trabalho, estudo e estou prestes a me casar.
Descobri que uma camisa, uma bandeira, um escudo, um sonho, não são um baú de tesouro, mas eles podem ser a chave capaz de abrir esse baú e lhe dar algo de valor inestimável; a esperança.
E vocês de apelidos, Atleticano, saibam que nenhum beco é eterno. Se vivemos dias difíceis, noites frias, lembrem-se do hino que vocês defendem, capaz de transformar um garoto de rua em um garoto de futuro. Coloquem o Atlético no sobrenome e terás eternamente como ideal, vencer, vencer, vencer.

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*Essa é uma história fictícia.
ABRAÇO NAÇÃO!
Fael Lima
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