Diário de um torcedor – Atlético 9 x 2 Palestra

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04/04/2012 - 16:45

fotocamisadoze - Diário de um torcedor – Atlético 9 x 2 PalestraAcordei no domingo ensolarado em Belo Horizonte do dia 27 de novembro de 1927 e logo fui ao encontro de meu pai, que prometera me levar ao campo do América para ver o confronto dos quadros do Atlético e do Palestra Itália. Seria o primeiro jogo de football de verdade que eu iria assistir, tendo acompanhado apenas as pelejas com meus amigos após as aulas no Colégio Arnaldo, que por uma lei do prefeito Cristiano Machado (Lei 318/27), passara a receber, obrigatoriamente, dez alunos de pobreza declarada que não pagariam mensalidades, fazendo com que os quadros de dentro do colégio sofressem algumas alterações.

O football já era o esporte do coração de Belo Horizonte. Todas as finais de tarde, turmas se reuniam nos campos da cidade para disputar partidas, que nem sempre tinham dois times completos ou campos com traves de ferro. Sempre improvisávamos com dois quadros de nove, oito e até sete jogadores e troncos finos de árvores armados de forma a se parecer com as traves dos grandes campos da cidade. E a melhor parte era que ninguém se importava com a classe social dos participantes. Alunos de diferentes colégios como o Izabella Hendrix, Arnaldo, Dom Pedro II, Instituto Claret e Anglo-Mineiro (este último, frequentado apenas pela elite da cidade) se reuniam e se misturavam para disputar partidas de football.

A manhã passara rápido. Já era quase 14:30 quando meu pai e eu saímos caminhando rumo ao campo do América. Morávamos próximo à Igreja de Lourdes, numa casa aos fundos onde hoje está o Colégio Dom Cabral. Em cerca de 20 minutos chegamos ao campo.

A movimentação era enorme do lado de fora, onde só se comentava do jogo. Durante a semana, as notícias que corriam pela colina de Lourdes era que uma grande batalha estava programada para as 15 horas de domingo. Dois quadros sedentos por vitória entrariam em campo para lutar até o fim pelo triunfo.

Quando tomamos nosso lugar na arquibancada, olhei para os lados, para frente e para trás. Uma grande multidão se aglomerava para acompanhar a peleja. Nunca tinha visto tantas pessoas juntas ao mesmo tempo. Perguntei ao meu pai quantas pessoas haviam por ali e ele me disse que durante a partida eram esperadas quatro mil pessoas. Fiquei estarrecido. E ainda houve uma preliminar que fora vencida pelo Atlético por 3 a 2.

Senti uma grande emoção quando o quadro principal preto e branco adentrava no campo. A torcida gritava e aplaudia aqueles onze jogadores que haviam vencido o campeonato do ano anterior e parado uma sequência de dez títulos consecutivos do América. Mal pude perceber o quadro do Palestra pisando no campo. A torcida do Atlético, que era formada por pessoas de todas as classes sociais era absoluta. Nada gritava mais alto. Nunca havia ouvido tanto barulho na minha vida. O que mais se escutava era sobre um tal Trio Maldito. Diziam que eles eram imbatíveis. Meus amigos, vizinhos e meu pai falavam que Orion era o principal jogador desse trio e que ele nunca errava um chute. Ou parava no fundo do goal, ou o goalkeeper pegava. Orion era o apelido de Mário de Castro, que junto com Said e Jairo faziam os adversários tremerem antes mesmo dos jogos terem início.

9x2 300x135 - Diário de um torcedor – Atlético 9 x 2 PalestraMeu pai me deu um cutucão para que eu prestasse atenção no jogo que havia começado. A saída coube ao Palestra, às 15 horas. E após vários lances, Getúlio, do Atlético, lança a pelota que acha Said. Logo depois, ela se encontrava no fundo do goal. Foi o primeiro ponto do Atlético. A torcida atleticana, que ocupava cerca de 80% das arquibancadas, explodiu. Era uma festa só. Olhei no relógio de bolso do meu pai e vi que ele marcava 15:42.

Virei meu olhar para o campo e vi Mário de Castro dominar a pelota com maestria e driblar dois jogadores do Palestra. Quando foi passar pelo terceiro, foi ilicitamente trancado. O juiz marcou penalty. Said bateu e fez Atlético 2, Palestra 0. Novamente a torcida impressionava com sua comemoração. Em seguida, houve um goal do Palestra. Nino I foi quem marcou. Fiquei preocupado e perguntei meu pai se o Atlético poderia perder. Ele me respondeu que com Orion, Jairo e Said, o Trio Maldito, isso era impossível.

Logo após o goal palestrino, Jairo chutou e a pelota estufou as redes, mas ele estava impedido e o juiz anulou o tento. Eram 16:10 quando o juiz apitou o fim do primeiro meio-tempo. Às 16:20 o jogo voltou e Ivo sofreu um foul perto da área de penalty. Chiquinho cobrou, passando para Getulinho que repassou para Said. Era o terceiro goal atleticano.

Algum tempo depois, Mário de Castro recebeu passe magistral de Said e marcou o quarto goal atleticano. Três minutos depois, recebendo a pelota de Getulinho, de novo, Mário de Castro, ou se preferir, Orion, marcou seu segundo goal e o quinto do Atlético.

Não haviam passado ainda dois minutos, quando às 16:44, Jairo, apertado pela defesa, marcou o sexto goal alvinegro. Quatro minutos depois, o Palestra fez o segundo. O placar já estava em 6 a 2 a favor do Atlético.

O relógio de meu pai marcava 16:52, quando Jairo recebeu um passe de Mário de Castro e marcou o sétimo goal Atlético. Pouco depois, Nino II, do Palestra fez foul em Jairo. Ivo cobrou, passando a pelota para Mário, que passou para Jairo marcar o oitavo goal. Um minuto depois, Getulinho avançou pela área de penalty e marcou o nono e último gol do Atlético.

Quando o juiz ordenou o fim de jogo, a torcida do Atlético entregou-se às mais expansivas comemorações de regozijo. Foram erguidas vivas ao Atlético. Fiquei encantado com aquela torcida que cantava, aos gritos, os nomes dos jogadores, principalmente do Trio Maldito.

Às 19:00, no restaurante Guarany, foi oferecido um jantar aos campeões. A felicidade estampou o rosto de todos os presentes. Os jogadores brindavam o título e a goleada sobre o Palestra.

Acredito que mesmo após décadas, esse resultado conquistado pelo Atlético não será batido nos confrontos diretos contra o Palestra. Esse 9 a 2 ficará na história para sempre e será quase impossível de ser batido.

A partir daquele dia, me apaixonei pelo Atlético como qualquer um que vai aos jogos fica apaixonado. É um sentimento impossível de descrever.

-Escrito em 04 de março de 1946.

Imagem: Internet

Lucas Alves
Galo Digital