Futebol Feminino é discussão obrigatória para o Galo a partir de 2019

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21/09/2018 - 16:09

“Todo mundo dizia que eu estava acabado, que aqui era time de renegados. Falem agora”, disse Ronaldinho Gaúcho, ídolo da Massa Atleticana, em desabafo após a conquista da América. Apesar de ser uma frase ícone, não é uma novidade para o alteticano. Sempre soubemos, desde o primeiro contato com o Clube, que somos renegados. O que nos move é uma força diferente, contudo, a mesma presente em 2013 também esteve em 2005. O Atlético Mineiro não funciona sob estatísticas, e é, talvez, o Clube que mais conta com o apoio moral da torcida no Brasil. Se torcida ganhasse títulos, levaríamos todos. E é com essa premissa do Bruxo e a convicção de sermos uma grande equipe dentro e fora de campo em mente, que se baseará a nova modalidade do Galo, a do futebol feminino.

Para quem não está ciente ainda, a Conmebol aprovou uma regulamentação na qual afirma obrigatoriedade de uma equipe de futebol feminino atuando pelos clubes brasileiros, caso contrário, a partir de 2019, será automática a desclassificação do time masculino da Libertadores, a mesma que conquistamos há cinco anos. Ou seja, a modalidade feminina do Atlético terá que voltar. Um fato que muitos alvinegros não sabem é que na temporada 2005-12 existia a equipe de mulheres estampando o escudo Clube pelos gramados das Gerais e, apesar de pentacampeã do Campeonato Mineiro, sua atuação foi barrada, sem muitas explicações. Agora que essa pauta promovida pela FIFA está em aberto, é necessário discutir sobre, uma vez que se está jogando pelo Clube, é dever da torcida estar ciente; e presente...

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Reprodução: Valeska Silva/Globo Esporte

Para início de conversa, é importante contextualizar a categoria. O Brasil é um país que engatinha quando o assunto é futebol feminino, com o defasado sistema a que as jogadoras são submetidas. Subdivisões descompassadas, estrutura precária, desorganização nacional em torno da modalidade. A enfermidade que assola o futebol feminino no país reflete, sobretudo, nas reações da mídia e da torcida: total invisibilidade. Ora, mas Roberto Drummond não imortalizou o sermão: “Se houver uma camisa preta e branca pendurada no varal durante uma tempestade, o atleticano torce contra o vento.”? Por que seria diferente agora? Pois bem, não é. Aqui ainda é Galo.

No Atlético, a situação não era tão diferente entre 2005 e 2007. “Usávamos o material do masculino de temporadas anteriores, tínhamos bola também do masculino, usávamos o campo da vila olímpica e equipamentos básicos para aquecimento e treino tático, mas tudo basicamente resto do que o masculino não utilizava mais”, nos contou Aline Peixe, ex-jogadora do clube durante a temporada. A falta de comprometimento da gestão do time não desanimou as jogadoras, que apresentaram excelente desempenho enquanto tinham pelo o que lutar, mas o prestígio e manutenção regular e qualificada, fator importante para a consistência de uma boa equipe, consagrou o fim de uma grande promessa. “Falta apoio, principalmente financeiro, no meu caso eu saí porque precisava trabalhar, minha mãe não estava mais dando conta de custear minha passagem e alimentação, já tinha 21 anos e precisava trabalhar pra me sustentar. (...) Pelo menos na época em que estive lá nunca tivemos apoio psicológico profissional. Tudo era mesmo na raça.”

Uma parte da torcida já vem se pronunciando quanto à novidade, a Grupa, consulado de torcedoras atleticanas, dizem sentir falta de ver mulheres vestindo o manto também dentro de campo. “A reinserção do Atlético no mundo do futebol feminino seria uma forma de demonstrar que o clube valoriza a representatividade de todos os atletas que vestem a camisa do clube. Já possuímos um time masculino principal com uma linda história, categorias de base de qualidade e até mesmo expandimos nossa bandeira para o futebol americano”, disseram em entrevista. “O investimento dos maiores clubes do estado no futebol feminino moverá nossa paixão, instigará o envolvimento da torcida e possibilitará que o sonho de milhares de meninas atletas seja concretizado”, completaram.

Demais jogadoras da categoria, como Amanda Miranda Cunha de Moura, também ex-jogadora do Atlético, por sua vez, entre 2008 e 2012, acreditam e concordam que mudanças devem acontecer, primeiramente, de dentro para fora, em especial no que diz respeito ao potencial tático das equipes. “Nada a se mudar na estrutura dos clubes; eles têm que simplesmente incorporar o feminino na sua estrutura, como tem espaço para a base. Uma estrutura ideal conta com um campo excelente, academia, diretoria, departamento médico, almoxarifado, vestiários limpos, dormitório confortável, alimentação e suplementação, uniformes e equipamentos de treino de boa qualidade, salários, plano de saúde, e bolsa de estudo”, ou seja, o mesmo que é garantido à modalidade masculina desde suas bases.“ (...) Às vezes parecia que era meio obrigação ter o feminino ali, mas a torcida Galoucura esteve presente todas as vezes que solicitadas nos jogos (...)”, completa Aline.

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Reprodução: Gazeta Press

A Massa não deixa barato quando o assunto é análise tática, por isso a reprodução dessa criticidade não deve deixar de existir na categoria feminina, pelo contrário, deve ser ainda mais precisa. É relativamente fácil analisar um time estruturalmente capacitado, com jogadores de renome e um futebol padronizado, como o Brasileirão. Quer um desafio de verdade? Palpite no futebol feminino, onde não tem nada disso.

Outrossim, o futebol europeu ganha em comparações de nivelamento ao futebol brasileiro na maioria dos quesitos possíveis, sendo, provavelmente, o maior abismo entre ambos o fator financeiro. De fato é um impedimento para prover melhorias nos variados setores dos clubes, porém, não é justificável para times de grande porte, que participam de campeonatos e transações milionárias, como os da série A. Por este motivo, a regulamentação é válida para associações desse porte e nivelamento, se ajustando ainda mais por conferir obrigatoriedade às equipes que se classificam no G6. “Na China existem atletas recebendo 30.000 por mês. Sabe por quê? Os times, as empresas apostam no futebol, investem, colocam o dinheiro sem dó, sem pensamento arcaico, sem ter preconceito de achar que nao vai pra frente, e o mais importante, sem pedir nada em troca, apenas para valorizar as atletas. Porém eles acabam recebendo o investimento financeiro de volta visto o Marketing que existe para as atletas, a venda de uniformes e merchandising  exclusivos e as campanhas sociais que são abundantemente valorizadas pelos órgãos internacionais”, especifica Amanda, que também é empresária que chegou a atuar internacionalmente em equipe estadunidense.

Por fim, o apoio da Massa à equipe e cobrança à diretoria é imprescindível. Ainda se lembra, leitor, da frase de Ronaldinho? A modalidade renegada sente o peso do que é sê-lo em dobro, carrega o peso de uma breve temporada sem continuidade devido ao menosprezo em sua mais pura essência, resultando na invisibilidade que a consumiu em pouco tempo. Roberto Drummond não soltou tão significativos dizeres para serem limitados às desavenças sociais, é preciso transcendê-las assim como fizemos em 2013, ao transcender as críticas, a má fase, o rebaixamento e todas as rasteiras que estamos acostumados a levar pela parcialidade que assola o futebol brasileiro. Como declara Patrícia Muniz, colaboradora para a matéria e atleticana convicta - “É preciso ver o futebol feminino como um esporte tão merecedor da nossa atenção, torcida e investimento quanto o futebol masculino. Precisamos reconhecer o trabalho feito pelas mulheres dentro de campo e entender que as diferenças técnicas e táticas existentes hoje são fruto de um longo período de proibição do futebol feminino no Brasil e do pouquíssimo investimento em categorias de base para a modalidade.”

Está na hora, mais uma vez, de provar do o que o atleticano é capaz.