GOOD TIMES, BAD TIMES

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31/03/2011 - 05:42

cerezo palhaco2 - GOOD TIMES, BAD TIMES

Por Frederico Alves

O  melhor volante que eu já vi jogar foi um maestro. Ou melhor, um palhaço de circo - como às vezes era chamado, pois, era filho de palhaço. Ninguém teve seu estilo. Ninguém!

A propósito, do tal volante, não preciso nem dizer quem é, não é mesmo? Mas pra relembrar, teve um jogo do Galo que ele marcou um gol espírita no Luiz Antônio, goleiro do nosso maior rival, na época. O jogo estava 0 x 0 (era o final da década de 70 ou início da de 80, não me lembro bem). Duríssimo! Pau quebrando em campo. Início do segundo tempo. Tarde-noite, como diziam os narradores esportivos do mundo do rádio. Significa dizer, principalmente, em se tratando de Atlético x Cruzeiro, que chegou o momento decisivo da partida. O ponto crucial e mítico do futebol. A divisão de bens, tristeza de um lado e êxtase do outro.
Nós, na arquibancada de baixo. Mineirão entupido. Meus tios Júlio e Rodrigo, meu primo Gustavo, meu pai, eu e toda a multidão que estava no "Minera"; tensão absoluta, abnegada. Uma palavra: taquicardia.

Ataque do Alvinegro querido pelo flanco esquerdo do palco. A fileira da frente se levanta e como em um efeito dominó ao contrário, todas as fileiras humanas se erguem à minha frente, uma a uma, sincronia perfeita. A partir de então, os adultos só enxergaram em sua tela ocular, buracos verdes no gramado belíssimo do estádio mais lindo do mundo. Como eu não era adulto, não enxergava nada. O Galo no ataque e eu, desesperado, só enxergando pernas e costas listradas de branco e preto. Num movimento célere, fracional, talvez porque meu pai sentisse a minha angústia estampada, ou senão, porque ele, também precisando explodir, porque estava no ar que o gol sairia, embora fosse uma jogada que estivesse apenas se iniciando, queria ele que, pelo menos um da família visse o gol pra contar como foi. Então, em movimento quântico, fração de segundo, eu já estava na cacunda do meu velho. E o que vi, marcou minha vida para sempre.

O palhaço de circo corria com o mundo aos pés, sem pisar no chão, passadas largas, meias brancas abaixadas até o tornozelo; característico. Braços desarmados, soltos, talvez, noCEREZO 1 117x300 - GOOD TIMES, BAD TIMES universo paralelo, fossem asas. Asas brancas de palhaço. Correndo com a bola rente à linha lateral esquerda do campo, levando seu marcador azul incansável ao seu lado. Agora, os que estavam ao meu lado, olhavam para mim, pois não conseguiam ver a cena no campo. Imagino a minha fisionomia, estática e pulsante. O que aconteceu, meus amigos, foi simplesmente o impossível. O marcador celeste foi aos poucos perdendo passadas para aquele palhaço de circo que, ao perceber a sua vantagem, ainda rente à linha da cal esquerda, mas se aproximando da quina de noventa graus da grande área, deveria cruzar para o Rei centroavante, o Nove Eterno. Dentro da área ele resolveria a parada, ou pelo menos deveria. Mas o palhaço fez sua graça, sua mágica. No instantâneo pique da bola, oriundo de uma pequena depressão do gramado, de perna esquerda, chutou... Aliás, chutou não, ele colocou. Pôs. Fez dormir.

A bola descreveu a parábola da vida, certeira, natural e perfeita. Movimento lindo até morrer nas redes do goleirão que, diga-se, foi certo pra bola. Mas como eu disse, o palhaço fez sua piada impossível e improvável. O GOLAÇO. Um Gol Divino em branco e preto.

Agora, o mais inesquecível: todos olhavam pra mim. Não só o meu pai, tios e primo, mas todos ao meu redor. Esperando minha reação, minha resposta. Quando a bola entrou, não houve o estrondo característico da Massa, pois todos tentavam entender o que havia acontecido. E agora eu quero que Deus me cegue se isso não for verdade: eu fui o primeiro, no meio da multidão, a comemorar. O primeiro a perceber a surrealidade daquele instante. O primeiro no meio de milhares e milhares de torcedores. Depois de mim, o lado Galo do Mineirão. Nunca mais vou esquecer-me disso. A piada do palhaço. Eu entendi primeiro, antes de todos. Graças ao meu pai.
Neste dia, depois do jogo, rádio ligado na volta do Mineirão, ouvimos o palhaço, numa entrevista, inventar a frase que se tornaria célere: "peguei no quarto gomo da bola".

E é isso, meus caros atleticanos.

Agora, pés no chão, sem velhos novos ranços, sonhando para mais palhaços pintarem no Galo.
Um grande abraço Antônio Carlos Cerezzo. E obrigado por tudo, ídolo de minha infância. Minha infância querida, minha tapera perdida e distante.

E fé no Galo! Sempre, como sempre.

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*Fotos: WebGalo

Marco Antônio Astoni / Globoesporte.com

Bruno Cantini

Quero deixar aqui meu agradecimento ao Lucas do Forum do Galo pelo apoio nas imagens na Sessão em Preto e Branco e aos tantos amigos que atenderam o chamado e compareceram no evento.

Agradeço também ao Centro Atleticano de Memória, especialmente ao Emmerson Maurílio.

Obrigado Roberto Filho do Blog Lances e Nuances que possibilitou a publicação dessa maravilhosa crônica no Cam1sa Do2e.