Nada será como antes

Por:
12/12/2011 - 14:13

1966 300x262 - Nada será como antesMesmo desconfortável, Pingo consegue uma brecha e se ajeita para escutar a conversa dos tios, que lhe faziam uma rápida visita. “O Éder chutava demais”, “Sempre preferi o Nelinho”, rugia os homens. Mesmo com os treze anos recém-completados, o garoto já demonstrava a paixão pelo alvinegro, apesar das discussões perdidas com os amigos e com as frustadas tentativas de conversão de seu padrasto ao rival azul. Não havia segunda ou quinta-feira que o pequeno não levantasse com seu manto listrado.

Não tendo comemorado uma vitória, visto um título ou se quer um time digno, igual aos que seus tios lhe contavam, sentia na alma o menino, “este é meu clube, minha vida”. Com os olhos grudados e sem qualquer movimento, Pingo acompanhava as discussões. Qual o melhor jogador? O melhor time? O melhor jogo? Sem decepcionar, também dava seus pitacos, baseados em suas pesquisas na internet e nas horas de leitura sobre a história da equipe. Impressionava os mais velhos. Tinha tempo para isso, dizia.

Derrotas e humilhações haviam se tornado cada vez mais frequentes. Lamentava, mas não desistia. Conseguia forças, sabe se lá de onde, para seguir em frente. Não conseguia assistir todos os jogos, mas sua família sempre o informava para que conseguisse dormir tranquilamente. Aquele clube o mantinha vivo, o dava esperança para enfrentar um amanhã que seria ainda mais difícil e doloroso.

Domingo passado, a criança faleceu. O câncer, que o acompanhava desde os onze, se alastrou e atingiu parte do sistema nervoso. Não fosse o suficiente, sofreu até mesmo em sua morte, onde ficou horas em tratamento extensivo, enquanto sua maior paixão entrava em campo. Na mesma hora que o coração de Pingo parou de bater, naquele mesmo momento, o Atlético deixou de existir.

Lucas Ragazzi

Jornalista do Observatório do Esporte