Pais e filhos do Clube Atlético Mineiro

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20/01/2017 - 18:25

FOTO: BRUNO CANTINI/ATLÉTICO

Não é raro ter alguém me esperando na porta da TV após o Alterosa Esporte. De currículo a teste na base, passando por visita na Cidade do Galo e, claro, a pergunta que mais ouço na vida: “E o Tardelli...”.

Dia desses tinha apenas uma senhora muito bem vestida, amparada por uma bengala e acenando com a mão, indicando que queria uma conversa sem muita gente por perto. Fui até o canto onde ela estava e antes que pudesse desejar uma boa tarde, já recebi a bengala entre os braços para que ela procurasse por algo na bolsa.

Ao localizar o que procurava, a senhora me entregou o que parecia um cartão de loja de tintas, material de construção ou algo assim. Nele havia o nome de uma pessoa, um telefone e uma mensagem que eu tentei ler até ser interrompido por uma cutucada da bengala no peito.

“Eu sempre gostei muito de futebol. Meu marido era conselheiro do Atlético e a gente não perdia um jogo. Falo sempre sobre o Galo. Há alguns anos, encontrei outra mulher que gostava muito do Atlético e começamos a conversar enquanto não éramos atendidas em uma loja. Contou-me sobre o neto estar realizando o sonho de ser jogador de futebol, mas que havia uma lacuna. O clube não era o Galo! Fomos atendidas e quando me despedi, ela deixou o nome e telefone nesse cartão para continuarmos a prosa depois. Mantivemos contato por um tempo, mas chegou o dia em que ninguém atendia mais o telefone. Será que você entrega esse cartão pro neto dela? Preciso avisá-lo que ele realiza o sonho da avó.”

Voltei o olhar para o cartão, vi o nome da amiga da loja, o telefone e, finalmente, consegui ler a mensagem logo abaixo.

“Vó do Fred, que um dia irá jogar pelo Galo!”

Eu não tenho qualquer contato próximo com jogador. Sou fã de vários com direito a camisa autografada e quadro na sala de casa, mas a profissão pede certa cautela nessa aproximação. Assim como a avó do bilhete, eu queria ver o Fred com a camisa do Atlético e sempre o observei de longe enquanto passa pela zona mista, onde os atletas ficam após os jogos, mas nunca havia trocado uma palavra com o camisa 99. Se não me falha a memória, não pisei na Cidade do Galo em 2016, então teria que traçar um plano com a temporada perto do fim. Hesitei por uns segundos, mas segurei o cartão e prometi entregar.

O destino colocou a Argentina na Cidade do Galo e o Atlético no Horto, bem perto da minha casa. Esperei o treino acabar e me aproximei do 99. Antes de citar o motivo do encontro, perguntei como se chamava a avó e o nome batia com o cartão. “Ela já faleceu. A vó era Atleticana demais, muito mesmo.”. Aproveitei a deixa e entreguei o cartão da vó do Fred, que um dia iria jogar pelo Galo.

Ele mostrou o braço arrepiado, mas não era preciso. Percebi facilmente, além da expressão facial mudando instantaneamente. O Fred sentiu ali esse carma, essa energia que sempre existiu por trás do nosso Galo.

Agora é a vez de Rafael Moura. E não falo da disputa da dupla por uma vaga dentro da área; o que o atacante quer é viver essa energia Alvinegra intensamente; pelos amigos e familiares que estão aqui e os que já se foram. Talvez ele não faça gols decisivos ou viva dias difíceis enquanto estiver por aqui, mas, mesmo que esses dias venham, o Moura olhará para os céus todas as manhãs para agradecer por estar passando pelos portões da Cidade do Galo. A bisavó Aracy, a tia Leda, o sogro “seu Lara” agradecem!

Existem os que entram funcionários e se tornam torcedores e existem os que nasceram em berço Alvinegro. Esses passaram a infância chutando latas e pedras pela rua comemorando gols imaginários e visualizando um Mineirão explodindo em festa. Dando alegria à Massa, às avós, aos pais.

Voltando à porta da Alterosa, quando me perguntam “e o Tardelli...”, interrompo para dizer que esse também realizou o sonho do pai e da avó, uma Atleticana fanática. Tadeu, o pai do Tardelli, lembra-se da mãe comemorando por dias naquele Brasileiro de 1971 e das idas ao aeroporto para buscar o time. Em outra conquista histórica, a Copa do Brasil de 2014, Dona Celina Martins faleceu horas após o neto marcar o gol do título.

Histórias que dão outro significado ao futebol, dessas que fazem a gente lembrar que tantos corações batem por trás das marcas estampadas nas camisas. O futebol ainda respira pelo mundo, e no Galo, além de respirar, ele tem alma. Que jamais percamos isso.